É incrível como o Lucas consegue escrever bem. Pegue qualquer tema, qualquer coisa, ele nos surpreende, sempre. Por isso eu digo que ele é a pessoa que eu mais admiro no mundo, pois ele consegue me deixar feliz, consegue arrancar um sorriso meu em qualquer momento em que meus olhos encontram com os dele, mesmo que seja por foto.
Olha o que ele escreveu sobre música, preconceito, enfim:
" No Altas Horas que passou ontem (e que reprisa algumas vezes no Multishow - me ajudem com os horários), teve aparelhagem do Pará, banda de rock do Rio Grande do Sul, e tambores do Japão, além do batuque indígena, no filme que o Caio Blat foi lá falar sobre.
Na hora me veio um pensamento: Seja na rufante levada de batera do Bell Ruschel (que roubamos do Muse) em 'Sentado à Beira do Caminho', nos etéreos samples da aparelhagem paraense, no festejo indígena (que o povo da Belo Monte tá querendo afogar em água suja) ou na ritualística batucada oriental, vejo que a necessidade do ser humano de se manifestar através do barulho transcende toda e qualquer gama de cores de pele, idiomas falados e quaisquer barreiras impostas por política ou por preconceito.
Imaginei que, se nascido ao pé do Monte Fuji, provavelmente estaria golpeando o taiko. Embrenhado na selva, seria o crooner da cerimônia da minha tribo. Mergulhado em um conglomerado urbano do Norte do meu país, certamente estaria eu a fazer da minha 'laje', o megafone da minha cultura.
Mas não, eu tenho uma mãe que tocava Roberto Carlos no violão, pra mim, e Ray Conniff no teclado, e um pai que era aspirante a cantor gaudério, mas não conseguia esconder o charme do cantor-de-bolero-de-karaokê, muito menos sua ascendência litorânea e ao mesmo tempo campeira. Soma-se a isso um par de irmãos mais velhos que, sob a minha atenta observação, conheciam e descascavam o rock que vinha de fora e que derrubavam paredes em festas de arromba dadas dentro da minha casa. Eu tava ali, só olhando.
E foi isso que me transformou no que eu sou hoje. Eu sou fruto da vida que levei, do lugar que eu nasci, e das pessoas que me cercaram. É isso que culmina hoje na existência do 'Lucas da Fresno' e de tantos outros projetos. Não se pode fugir de si mesmo.
Em dois mil e poucos, um acidente de trânsito tomou a vida de um colega meu. Meses após isso, outro acidente levou outro embora. Comovido pela efemeridade da vida, escrevi uma música chamada 'Duas Lágrimas'. Essa música está no disco 'O Rio, A Cidade, A Árvore', o segundo da Fresno. Também encontra-se como bônus no DVD 'MTV Ao Vivo 5 Bandas de Rock' (essa sim, sua versão mais bonita). Os anos passaram, e essa música chamou atenção de dois caras, de nomes José e Durval, mais conhecidos como Chitãozinho e Xororó. Após o projeto 'Estúdio Coca-Cola', no qual misturamos as nossas músicas, a dupla, comovida com aquela letra, gravou essa mesma canção 'Duas Lágrimas', em seu disco de estúdio.
Se eu, o 'Lucas da Fresno', do alto do palco do meu show de rock, apanhasse o violão e falasse 'vou tocar uma música sertaneja, da dupla Chitãozinho e Xororó', provavelmente teria meu som engolido pela vaia de testosterona juvenil dos que ali estavam para ouvir e se bofetear ao som do bom e novo rock and roll. O nome disso é preconceito. É a ideia de que se faz de algo que ainda não se conhece. A música que os tiozinhos do interior que vieram lá do Rancho Fundo gravaram em seu disco de música sertaneja foi escrita pelo cearense-criado-gaúcho que toca numa banda de rock. Muda a roupagem, adiciona-se uma gaita, remove-se uma guitarra, mas a música é, de cabo a rabo, a mesma.
O tambor é o mesmo, a motivação é a mesma, a necessidade de se expressar é a mesma em qualquer lugar do planeta. Eu, como humano que imagino ser, sou branco, preto, índio, japonês, paraense, cearense, gaúcho e brasileiro, e a música que escrevo é pro mundo, é pra fazer vibrar as moléculas de um ar que é de todos.
Abre o tímpano, abre a cabeça, e dança do jeito que for, pois ainda não tão cobrando imposto pra gente sorrir.
- L. "